15-18/Fev/2010 - Western Tasmania excursion...

Mais uma "fieldtrip" espectacular! Para os geólogos, quasi-geólogos, proto-geólogos e afins, as próximas linhas contêm informações interessantes sobre a tectónica e história geológica da Tasmânia. Para os não geólogos...vou tentar ser o mais agradável possível... Aqui ficam os detalhes...

Dia 1 - De Hobart para Rosebery...
Foi o primeiro dia da excursão e, como tal, as expectativas estavam em alta... Acordei cedo, por volta das 6h... Preparei-me, acabei de "empacotar" o que faltava e saí... Cheguei ao CODES por volta das 7h30... Ainda precisava de imprimir algumas coisas para as viagens internacionais... O Andrew já estava a meter caixotes, capacetes e afins nas carrinhas e alguns alunos do 3º ano também já tinham chegado... O dia estava fantástico: sol, calor e uma brisa fresca sentia-se de vez em quando... A partida aconteceu por volta das 8h45, depois de ainda esperarmos cerca de 15 minutos pelo pessoal que, supostamente, devia ter ficado a dormir um pouco mais... Mesmo assim houve alguns (poucos) que não apareceram... Enfim...
A grande viagem começou e desta vez tive companhia... A Selina, uma estudante de doutoramento do Canadá, veio comigo até Rosebery. Falámos muito durante a viagem, essencialmente sobre geologia, mas também sobre muitas outras coisas.
O primeiro dia não estava planeado para ser só paisagem... Havia trabalho para fazer e isso significou 4 paragens geológicas...
A primeira paragem foi mesmo no coração da "Tyennan Region", a maior área de rochas Proterozóicas exposta na Tasmânia, essencialmente constituída por rochas metamórficas polideformadas... O objectivo da primeira paragem era conhecer o "Scotchfire Metamorphic Complex"... As principais rochas constituintes do afloramento que vimos são filitos quártzicos e micáceos e quartzitos maciços. As rochas foram altamente deformadas e sofreram metamorfismo regional característico da fácies dos xistos verdes. As rochas pelíticas apresentam clivagem de crenulação que é geralmente sub-paralela à estratificação e às superfícies axiais de dobras isoclinais mesoscópicas. Esta estrutura planar apresenta também lineações que representam a intersecção com uma clivagem bastante penetrativa mais antiga. Uma terceira clivagem está também presente. A idade deste complexo não é bem conhecida. O limite máximo deverá rondar os 1300 M.a. e o limite mínimo é cerca de 540-610 M.a. Encontram-se bastantes evidências de deformação, nomeadamente veios de quartzo em "echelon" e, pelo menos, uma falha normal.
Depois desta primeira introdução às rochas do Proterozóico, viajámos durante mais um pouco e depois fizémos uma outra paragem para almoçar... O almoço demorou cerca de 40 minutos e depois seguimos para norte...
O segundo afloramento introduziu o Franklin Metamorphic Complex do Precâmbrico e as rochas associadas - maravilhosos eclogitos! A associação mineral presente nestas rochas é: granada, onfacite, muscovite e quartzo. Estes eclogitos deverão ter sido originados de filões basálticos há cerca de 600 M.a. Os zircões datados dão uma idade de 510 M.a.. Neste afloramento foi relativamente difícil ver os eclogitos, porque está tudo bastante alterado. Por isso, o Andrew levou algumas amostras colhidas anteriormente, onde se podiam ver aquilo a que eles chamam "estruturas em S", com porfiroclastos de granadas espectaculares rodados em figuras sigmóides... Fantástico!
A terceira paragem foi também num afloramento do Franklin Metamorphic Complex em Bills Creek, mas desta vez com xistos e gneisses... Os minerais observados foram plagióclase, muscovite, biotite, granada (não conseguimos ver distena, mas ela andava por lá algures). Ora, poderá pensar-se que os eclogitos, muito característicos de fácies metamórficas de alta pressão e alta temperatura, estejam associados a zonas de subducção (o que é uma hipótese bastante plausível, ainda para mais com a presença de distena...). No entanto, o evento causador destas condições de pressão e temperatura terá sido não uma subducção, mas sim uma colisão continental, com geração de pressão e temperatura suficientes para cristalizar eclogitos devido à grande espessura de crosta associada a este evento. Pensa-se também que estas rochas deverão ter surgido à superfície por volta dos 495 M.a., o que significa que em 15 M.a. os eclogitos viajaram ao longo de 60 km de crosta (o que dá uma média de 4 km por M.a. - incrível!!!).
A última paragem do dia foi em Victoria Pass-Linda Zone, onde o pessoal do 3º ano fez um teste de campo - um corte numa pedreira (vejam a foto...). Esta zona é essencialmente uma zona de falha e apresenta calcários acinzentados do Devónico, constituíntes do Gordon Group. Ouvindo falar do Devónico, os nossos olhos ganham logo outra dimensão e automaticamente passam para o modo "hunting for fossils"... E estava correcto... Este afloramento tinha alguns fósseis (não muitos...), nomeadamente braquiópodes e bivalves... A falha maior que se pode observar (geologicamente claro...) corresponde a uma falha inversa (os "slickensides" encontrados mostram o sentido do movimento (vejam a foto)... Geologicamente falando, o primeiro dia chegou ao fim... Chegámos a Rosebery por volta das 17h, ainda muito a tempo de irmos comprar o nosso jantar ao supermercado... Como só existe um supermercado em Rosebery, este encheu rapidamente por volta desta hora... Foi engraçado... Depois das compras fomos para o parque de campismo... Eu ficaria numa casa em Primrose, uma pequena vila nos arredores de Rosebery (onde fiquei há cerca de 3 semanas quando estava a trabalhar em Tullah...), e o resto do pessoal dormiria no parque de campismo. "So far so good"... O problema foi quando fui até Primrose... Não estava ninguém em casa! Era suposto estar lá o Alexey, um estudante de doutoramento do CODES, para me abrir a porta, mas nada... Telefonei ao Andrew, mas ele também não sabia de nada. Enfim, voltei para o parque de campismo... Nestas voltas e revoltas, nem tive tempo de tomar um banho relaxante porque o pessoal decidiu ir jantar ao Pub de Rosebery... Fomos todos (tudo fresco menos eu, a única pessoa que ainda não tinha sítio para dormir...). "No worries"... Jantámos muito bem... Eu comi cabrito assado e estava excelente!!! Recomendo vivamente um jantar em Rosebery... Acabámos de jantar já passava das 8h... (a comida demorou muito muito muito tempo a chegar...e o pessoal a morrer de fome...; imaginem, estava tudo histérico...). Enfim... Acabámos de jantar (lá estava eu a sonhar com um banho relaxante...), mas fomos ainda para a "reunião nocturna"... É uma reunião que o Andrew marca sempre para depois do jantar para se falar sobre o que se fez durante o dia (tipo síntese), com hipótese para colocar dúvidas, e para prever como será o dia seguinte... Foi uma reunião excelente... Falámos dos complexos geológicos que vimos hoje, qual a relação que existe com a história geológica da Tasmânia e, no final, o Andrew desenhou uma coluna geocronológica com as idades destes eventos... Foi fantástico... Depois da reunião, que deverá ter acabado lá para as 9h30 (já de noite) voltámos para o parque de campismo... Tinha de arranjar um sítio para dormir... Depois de falar com o Andrew, decidimos que ficaria com o Josh numa das caravanas disponíveis... Fui então ao carro buscar as mochilas, despejei tudo na caravana e depois, finalmente, fui tomar um banho... O espaço não era muito agradável, mas funcionou... Banho tomado, cérebro mais fresco... Voltei para a caravana e organizei um pouco as coisas e fiz um pequeno resumo do dia... Não havendo muito mais que pudesse fazer, fui dormir por volta das 23h... O dia seguinte iria ser tão ou mais comprido...

Dia 2 - Henty Fault e corte na Pieman Road...
O segundo dia da excursão foi absolutamente incrível!!!
Acordei cedo, por volta das 6h... Não dormi muito bem, pois a cama era um pouco pequena, mas estava bem... Estava nevoeiro, mas não muito frio... Como o Alexei não estava na casa em Primrose, decidi (e já tinha falado com o Andrew sobre isso) ir até ao escritório da mina de Rosebery para falar com o Mr. Craig e pedir-lhe chaves extra... Por isso, saí da caravana por volta das 6h30 (o Josh ainda dormia...) e fui até ao escritório... Cheguei, bati à porta, mas ninguém atendeu... Esperei até às 7h30, mas nada... Não havia sinal do Mr. Craig... Era suposto ele estar lá, mas não estava... Voltei para o parque de campismo... O pessoal já estava quase pronto para partir... Deixei aquilo que não precisava no carro, arrumei a mala de campo e lá fui eu com o pessoal na carrinha do CODES... Parámos rapidamente (cerca de 15 minutos) no centro de Rosebery para o café da manhã e depois partimos...
A primeira paragem foi na "Mackintosh Dam Road" muito perto dos armazéns de Tullah onde estive a trabalhr há cerca de 3 semanas atrás... Eu já conhecia o afloramento, não só da "fieldtrip" de Dezembro, mas também porque já tinha visitado o afloramento numa tarde enquanto estive em Tullah... Este afloramento corresponde à zona E da "Henty Fault"... É a falha mais importante que ocorre no NW da Tasmânia e aqui ocorre como uma espectacular escarpa de falha... A zona corresponde portanto a uma zona de falha com cerca de 500 a 600 metros de largura e a "Henty Fault" em si extende-se pelo MRV ao longo de 60-70 km... É uma mega falha muito importante no controlo da mineralização que ocorre no NW da Tasmânia... A NW da "Henty Fault" ocorrem mineralizações de Pb-Zn (minas de Hellyer, Que River, Rosebery e Hercules) e a SE da "Henty Fault" as mineralizações de Cu-Au são predominantes (mina de Mount Lyell e Henty). Em Mount Lyell, contudo, ocorre também uma grande mineralização de Pb-Zn em forma de lente... A "Henty Fault" é constituída também por muitos outros ramos e falhas menores e, possivelmente, deverá ter tido pelo menos 5 fases de movimentação desde o início do Paleozóico... A estrada onde parámos encontra-se assim muito perto da escarpa de falha, mas assenta sobre rochas dos "Farrell Slates". A falha em si põe em contacto, portanto, estas rochas com rochas do "Tyndall Group", as rochas mais recentes do MRV. Nesta área encontra-se também exposto o contacto entre o "Tyndall Group" e as rochas do "Owen Conglomerate". Foram feitas medições no plano de falha e verificou-se que se trata de uma falha inversa, com componente de desligamento direito importante... Esta interpretação baseou-se na presença de "slickensides" no plano de falha... É portanto uma "dextral reverse oblique-slip fault". Um pouco mais acima, foram também observadas algumas dobras em chevron e, perto do topo do afloramento, conseguimos ver o contacto entre as rochas do "Tyndall Group" e as do "Owen Conglomerate". A transição é muitas vezes marcada pela presença de clastos quartzíticos nas rochas volcaniclásticas do "Tyndall Group"; um indício de que as rochas siliciclásticas do "Owen Conglomerate" estão perto... Este contacto pode ser de três tipos: conforme, inconformidade erosiva ou inconformidade do tipo discordância, dependendo do local... Depois desta primeira longa paragem, fomos ainda até ao "Mackintosh Dam" para termos uma outra percepção do afloramento...
A segunda paragem foi na "Murchinson Highway"... Um local bastante perigoso, pois o afloramento ficava mesmo à beira da autoestrada e passavam camiões frequentemente... A extenção de rocha exposta neste local rondava os 70-80 metros. A rocha predominante corresponde a um dacito porfírico com fenocristais de hornblenda e plagioclase, com algumas vesículas com preenchimentos quártzico-cloríticos e com algum epídoto... O dacito é cortado por um filão basáltico afírico com disseminações de sulfuretos, nomeadamente pirite e calcopirite... O dacito faz parte do CVC do MRV (caracteristicamente com raros fenocristais de quartzo) geoquimicamente calco-alcalino de médio-alto K. O filão basáltico tem composição toleiítica. O dacito foi datado de cerca de 504 M.a. Toda a rocha exposta apresenta um padrão de alteração particular, um mau sinal para a exploração de sulfuretos maciços... O dacito presente no afloramento é bastante parecido com aqueles que eu observei enquanto estive em Tullah a fazer logs de sondagens e por isso estava esperançoso de que pudesse conter perlites e, de facto, havia evidências de que elas deveriam estar presentes, mas não são visíveis a olho nú...com muita pena mina... Para quem não sabe, perlites são basicamente vidros vulcânicos nos quais existem fracturas curvas, finas e delicadas em grande abundância que envolvem núcleos de rocha vítrica intacta. Estas fracturas perlíticas desenvolvem-se em resposta à hidratação do vidro vulcânico, processo que envolve a difusão de água no vidro acompanhado por um aumento de volume. É este aumento de volume que causa fortes tensões no vidro vulcânico. Esta tensão é libertada sob a forma de fracturas perlíticas.
O terceiro afloramento foi na "Pieman Road", onde observámos riólitos porfíricos com fenocristais de feldspato e com estruturas vulcânicas muito particulares, aquilo a que eles aqui chamam de "flow banding"... Foi espectacular! "Flow banding", para quem não está habituado à expressão, não é mais do que um bandado desenvolvido em resposta ao escoamento laminar de lava ou magma (tal como o nome sugere...). Estes bandados ocorrem mais frequentemente em magmas/lavas mais ricos em sílica (portanto mais viscosos). Estas estruturas são importantes e indicam, na maior parte dos casos, que estamos perante rochas vulcânicas coerentes (embora nem sempre, podendo aparecer em rochas vulcaniclásticas...). Tivémos oportunidade, inclusive, de medir o bandado (aliás, era esse um dos exercícios dos alunos...) e de percebermos a variação existente... Este tipo de bandado pode revelar-se extremamente importante para perceber o sentido de escoamento das lavas, podendo levar a interpretações interessantes a nível regional... Este bandado de escoamento aparece normalmente nas últimas fases evolutivas dos corpos vulcânicos. Foi também uma oportunidade para ajudar os alunos a fazer as medições, pois surgem sempre dúvidas (como foi o caso), e a experiência de explicar é sempre excelente...
Na 4ª paragem do dia vimos um afloramento bastante interessante (quer dizer, outro dos muitos que vimos...hehehe)... Está também localizado na "Pieman Road" e é essencialmente constituído por uma rocha com textura porfírica com fenocristais de feldspato. Mais é difícil de dizer porque a rocha ocorre com um grau de alteração muito elevado... A particularidade deste afloramento é o facto de conter aquilo a que eles chamam de "fiamme structures". Estas estruturas ocorrem essencialmente ricas em clorite, apresentam-se como um "fabric" linear descontínuo e resultam da alteração clorítica e compactação diagenética... O termo "fiamme" é apenas descritivo e refere-se a estruturas com uma forma alongada, achatada e ligeiramente encurvada muito características... Este afloramento pertence ao CVC do MRV.
O afloramento seguinte foi no Bastyan Dam, o local onde parámos para almoçar... O dia estava mesmo excelente e um almoço perto do rio é sempre uma verdadeira descontração... Mas a descontração foi apenas momentânea, pois havia trabalho para fazer... Esta paragem tinha como propósito a observação da falha Rosebery. Trata-se de uma falha inversa, com inclinação para E e ocorre na zona central da Dundas Trough. Esta falha teve movimentação maior do que 1 km, formando o limite W do CVC, unidade que cavalga assim rochas do Dundas Group. Esta falha é relativamente bem percepcionada, uma vez que separa rochas areníticas e siltíticas da formação "Sticht Quartzite" das rochas do CVC. Mais, os arenitos e siltitos apresentam uma estratificação que inclina para E, mas as camadas mais recentes encontram-se na extremidade W, evidências de que se trata de uma falha inversa. A zona de falha apresenta uma largura de cerca de 5 metros com intensa deformação. O movimento inverso é também suportado por superfícies de cisalhamento que ocorrem sobrepostas a uma foliação muito forte. Mais acima foi observada outra formação importante - a "White Spur Formation". Esta formação é mais recente que o CVC, mas mais antiga que o "Tyndall Group". É essencialmente formada por rochas vulcaniclásticas com alguns clastos siltíticos e argilíticos e algum quartzo...
A 6ª paragem do dia foi, de novo, na Pieman Road, mas desta vez para fazermos um corte geológico... Foi uma paragem excelente porque o afloramento estava (e ainda está...) cheio de fósseis... Este afloramento é essencialmente constituído por arenitos e argilítos do Devónico-Silúrico, deformados pela Tabberabberan Orogeny, pertencentes ao "Eldon Group", um grupo geológico mais recente que o "Gordon Group". Estão presentes estratificação e clivagem e a relação entre ambas pode ser usada para inferir a posição deste afloramento em relação ao Huskisson Syncline. Os fósseis abundantes correspondem a tentaculites (moluscos) e revelam-se importantes para a determinação de idades e ambientes de deposição...
A última paragem do dia foi na Serpentine Ridge da Pieman Road. Trata-se de uma antiga pedreira onde estão presentes os complexos máficos-ultramáficos alóctones, nomeadamente o Wilson River Complex. Este complexo alóctone está cavalgado sobre a Crimson Creek Formation. Os complexos máficos-ultramáficos formaram-se na parte E da Tasmânia e foram obductados durante a Tyennan Orogeny (anterior a 510 M.a). Esta zona apresenta assim peridotitos tectonizados, ocorrendo oivina serpentinizada, ortopiroxenas e provavelmente cromite ou magnetite. Trata-se portanto de um harzburgito. Encontrou-se também alguma tremolite (vejam a foto...).
Voltámos para Rosebery ao final da tarde... Fui até Primrose para ver se o Alexey já lá estava, mas ainda nada... Voltei para o parque de campismo... A reunião nocturna estava marcada, mas flatava ainda o jantar, por isso encomendámos pizza e fomos todos para a reunião com o Andrew... Enquanto esperámos pelas muitas caixas de pizza, o Andrew começou o resumo do dia... Fez mais uma coluna geocronológica, com as unidades e formações que tinhamos visto durante o dia e assim compilou toda a informação. Para mim ajudou-me imenso, pois fiquei com uma muito melhor percepção da organização estratigráfica das unidades geológicas da Tasmânia... A meio da explicação do Andrew chegaram as pizzas... Foi um ataque selvagem à única comida disponível no momento... Toda a gente estava a morrer de fome... A explicação do Andrew terminou com algumas revisões sobre séries magmáticas, nomeadamente geoquímica de diferentes tipos de magmas e suas implicações para os ambientes de formação onde são gerados... Foi uma noite espectacular!!! Terminada a reunião, voltámos todos para as respectivas casas, mas quando estava a entrar no carro para ir para o parque de campismo, o Alexey chegou... Mesmo na hora h! Esta noite fiquei em Primrose, pois já tinha maneira de entrar em casa... Ele tinha-se esquecido de deixar a chave no quadro da electricidade... Enfim, sem comentários... Foi uma noite bem dormida...

Dia 3 - Corte na Zeehan-Corinna Road...
Mais um dia espectacular!!!
Mais uma vez, acordei cedo, por volta das 6h... Hoje dormi bem melhor... Mais uma vez estava uma manhã de nevoeiro (mas não se preocupem que não vi o D. Sebastião...) e um pouco frio... Depois de um rápido pequeno almoço, saí de casa e encontei-me com o pessoal perto do supermercado, um pouco antes da partida... Estavam todos a tomar o café matinal para acordarem e sentirem-se melhor para o longo dia que estava à nossa frente...
A primeira paragem do dia foi em Piney Creek... Era um teste de campo! Fazer um corte gológico com cerca de 50 metros... Foi espectacular, pois todas as estruturas estavam perfeitamente (ou quase) visíveis... O afloramento em causa faz parte da Oonah Formation. Esta formação é composta por rochas meta-siliciclásticas do final do Proterozóico, deformadas durante a Penguin Orogeny, e estão correlacionadas com a Burnie Formation. O afloramento apresenta rochas areníticas quartzo-muscovíticas, arenitos quartzo-líticos e argilitos. Estão presentes até 5 clivagens diferentes! A clivagem mais antiga está associada a dobras isoclinais e a segunda clivcagem mais antiga corresponde a uma clivagem de crenulação. A terceira clivagem mais antiga está associada a outras dobras e estruturas rígidas... As duas clivagens mais recentes estão associadas a eventos Devónicos... Eu estou para aqui a descrever clivagens, mas só vi duas (e já foi muita sorte...)! Neste corte ocorre uma mega dobra recumbente e algumas dobras em "chevron". A estratificação é relativamente bem visível e S2 (o segundo plano de clivagem mais antigo) é sub-paralelo à estratificação... Em suma, havia muita geológia para fazer neste local... Foi pena termos tido tão pouco tempo para ficar, mas é a vida! Foi mesmo o tempo de fazer o corte, fazer uma pequena discussão e seguir caminho... Mas foi um exercício excelente... Adorei!
A 2ª paragem aconteceu depois de uma viagem até à costa oeste da Tasmânia... Foi a primeira vez que estive, de facto, em contacto com o Oceano Índico! Foi uma sensação fantástica!!! E a costa oeste da Tasmânia...que show!!! Maravilhoso!!! Enfim... Estivémos no Granville Harbour... O propósito desta paragem era a observação do Heemskirk Granite e a respectiva auréola de contacto... Passámos todo o resto da manhã na praia a observar rochas... Fez-me lembrar a costa vicentina e um sentimento quente de proximidade de casa invadiu-me o coração... Sentia-me bem e confiante... Queria observar e descrever rochas e aprender o mais possível... Nesta região, o contacto entre o Heemskirk Granite e a Oonah Formation ocorr exposto. O metamorfismo de contacto nas rochas areníticas e argilíticas da Oonah Formation produziu rochas corneanas. Dobras e falhas de pequena escala estão também presentes e bem preservadas na Oonah Formation. O Heemskirk Granite é um granito peraluminoso a metaluminoso de idade Devónica que intrui rochas Precâmbricas e Câmbricas do W da Tasmânia. Este granito terá derivado da fusão de rochas sedimentares (granito do tipo S). Este granito ocupa uma área de cerca de 120 km2 e está dividido em dois grandes grupos: granito branco e granito vermelho. As texturas encontradas em ambos os granitos variam entre equigranular a porfirítica, aparecendo também texturas aplíticas e pegmatíticas (os meus olhos até brilharam...). Os dois grupos são muito semelhantes mineralogica e quimicamente e, embora apresentem diferenças na coloração, o granito branco está um pouco mais alterado e é mais rico em turmalina. Ambos os granitos apresentam uma idade semelhante (cerca de 356 M.a.), mas o granito branco intrui claramente o granito vermelho. Em relação à Oonah Formation, verificou-se que, mais uma vez, a estratificação e uma das clivagens são sub-paralelas. Ocorre também uma clivagem de crenulação relativamente evidente...Uma das observações mais espectaculares que tive o prazer de testemunhar foi a presença de boudins...! Que espectáculo (vejam a foto...)!!! Esta paragem foi também alvo de um exercício de campo para os alunos do 3º ano... Nas inúmeras dobras presentes nesta zona, o exercício consistia em medir as atitudes dos eixos e planos axiais das dobras... Mais uma oportunidade para ganhar experiência em explicar aos alunos como fazer estas medições... Foi excelente... Tive também oportunidade de dar algumas informações extra sobre boudins e sobre a diferença na reologia dos materias envolvidos na formação destas estruturas espectaculares...
Depois de uma manhã passada na praia e de muitas conversas geológicas interessantes, voltámos para as carrinhas e almoçámos... Estava, mais uma vez, um dia de sol com temperaturas muito agradáveis, por isso o almoço foi algo que teve um sabor ainda melhor...
Já de barriga cheia, seguimos caminho para a próxima paragem... O Heemskirk River foi o local escolhido. Aqui os doleritos são as principais rochas aflorantes, nomeadamente o "Eureka Cone Sheet". Afloramentos das intrusões doleríticas Jurássicas ocorrem nas partes E e central da Tasmânia e são relativamente raros na parte W desta ilha. Este exemplo faz parte de uma intrusão com uma forma bastante invulgar que terá estado associado à formação de filões camada a baixas profundidades crustais que, actualmente, estão completamente erodidos...
A 4ª paragem do dia aconteceu na Montana mine, uma mina de prata e chumbo, na Heemskirk Road, perto de Zeehan. Depósitos minerais de prata e chumbo foram encontrados em Zeehan em 1882. Durante os anos 90 (de 1890...) a população atingiu os 10000, cerca de 10 vezes mais do que a população actual, com 27 "pubs", fazendo de Zeehan a terceira maior cidade da Tasmânia na altura... O campo mineral de Zeehan corresponde a uma série de depósitos minerais zonados (zonação é controlada pela temperatura), maioritariamente veios, nos quais os veios exteriores são ricos em chumbo e os veios interiores são ricos em estanho ou cobre e ouro. Acredita-se que estes veios ter-se-ão formado sobre um corpo granítico. Minerais como estanite, cassiterite, galena, esfalerite e calcopirite ocorrem nesta região... A Montana mine foi explorada esporadicamente entre 1899 e 1958 e produziu aproximadamente 4100 toneladas de concentrado contendo 2304 toneladas de chumbo e 279000 onças de prata. Esta paragem foi bastante interessante, pois ficámos a saber muitas informações sobre a vida desta mina. Conseguimos também encontrar alguma galena e esfalerite em alguns veios...
A paragem seguinte foi bastante perto desta mina. Este afloramento apresenta diamictitos do Pérmico, um depósito glaciar contendo clastos de argilito, grauvaques e clastos vulcânicos com fenocristais de feldspato. O contacto erosional entre esta unidade e a Oonah Formation ocorre nesta zona. Esta unidade esta contida no Parmeneer Supergroup.
De seguida, observámos um afloramento na "Trial Harbour Road intersection with road to Avebury Mine" que contém gabros com amfíbolas (alteração de piroxenas) e sericite (alteração de plagioclage, clorite e sulfuretos) dos complexos máficos e ultramáficos alóctones de idade Câmbrica. Os gabros sofreram metamorfismo regional cujas condições P-T são típicas da fácies dos xistos verdes e, provavelmente, representam uma câmara magmática que terá sido a fonte de basaltos expostos na estrada para Zeehan...
A última paragem do dia aconteceu na Serpentine Hill... Eu já sabia a história, pois já lá tinha estado, por isso senti-me bastante à vontade... Nesta região ocorrem serpentinitos provinientes de rochas máficas-ultramáficas alteradas dos complexos máficos-ultramáficos alóctones. Embora ocorra uma forte alteração serpentinítica, ocorrem boas exposições de rochas ultramáficas com um bandado litológico, alternando entre dunitos e harzburgitos. Os harzburgitos são rochas relativamente mais duras que os dunitos, aparecendo mais salientes em afloramento. Estas rochas representam a porção inferior de uma câmara magmática bandada...
O dia acabou com a visita à Serpentine Hill. De volta a Rosebery, a fome era muita... O jantar de hoje foi diferente. Ainda não vos disse mas o líder desta excursão não foi só o Andrew... A Karin também esteve sempre presente e hoje o jantar foi feito por ela... Por isso, assim que chegámos a Rosebery, fomos ao supermercado e compramos o jantar. Depois, fomos até Primrose (o resto do grupo dos alunos do 3 ano ficou no parque de campismo) e a Karin começou a fazer o jantar. Enquanto isso, eu organizava as minhas notas do dia e o Andrew corriga os cortes de Piney Creek... Foi engraçado estar a ver o Andrew a corrigir os cortes geológicos, mas ele não gostava muito de ser observado..hehehe... Seguiu-se um jantar maravilhoso preparado pela Karin (com uma pequena ajuda da Fiona Best), mas que acabou por se atrasar um pouco... Mas, no final, comemos tanto que nem nos podíamos levantar... O Andrew estava com uma cara feliz...hehehe... Depois do jantar fomos de novo até ao centro de Rosebery para a regular reunião nocturna com o Andrew, com mais um resumo cronostratigráfico excelente... O grupo estava animado e bem disposto... Tão bem disposto que o Andrew até foi vítima de um comentário sobre a letra do Andrew (que pareciam uns gatafunhos hieroglíficos)... Foi gargalhada geral... A noite acabou em beleza e o sono soube mesmo muito bem...

Dia 4 - Corte na Anthony Road...
Hoje seria o último dia da excursão para mim... Era dia 18 e iria ter uma longa viagem para a Tailândia no dia 20, por isso teria de voltar hoje à tarde para Hobart... Com muita pena minha, mas tinha mesmo de ser...
Mas foi mais um dia fantástico (como não podia deixar de ser...). Mais uma vez acordei cedo, por volta das 6h30, tomei o pequeno almoço e segui até ao centro de Rosebery, onde o pessoal já estava aglomerado e a tomar o café da manhã... Estava mais uma manhã de nevoeiro (é uma característica das manhãs de Rosebery), mas a meio da manhã o tempo melhorou e apareceu o sol por trás das núvens... Ao final da manhã as núvens já há muito que tinham partido para longe; o sol estava sozinho no céu em todo o seu esplendor...
O plano começou pela Anthony Road, especificamente pelo Murchinson Granite. Este granito corresponde a um corpo plutónico de idade Câmbrica que intrui o limite E do MRV. Neste local, o Murchinson Granite intrui a denominada "Eastern quartz-phyric sequence", uma sequência dominada por rochas riolíticas considerada uma provável sequência lateral correlacionada com o CVC. Este granito é, na realidade, um granodiorito com plagioclase, biotite, hornblenda e quartzo. A plagioclase encontra-se alterada para sericite e a biotite está alterada para clorite. Ocorre também epídoto como fase de alteração importante, especialmente ao longo de planos de falha. Esta região apresenta uma anomalia magnética positiva, exactamente devido à intrusão de baixa profundidade deste granodiorito (em alguns locais a intrusão encontra-se apensa a 500 metros abaixo da superfície terrestre. Este granito é do tipo I e é resultado directo da Tyennan Orogeny.
A 2ª paragem, ainda ao longo da Anthony Road, teve como propósito a observação do Owen Conglomerate, uma unidade siliciclástica de idade Câmbrica-Ordovícica que assenta inconformemente nas formações geológicas do MRV. Esta unidade tem sido interpretada como resultante de uma rápida deposição de sedimentos erodidos do Tyennan Block e, muito provavelmente, do Rocky Cape Block (dois grandes blocos rochosos que sofreram uplift após a Tyennan Orogeny), consistindo em detritos aluviais, mas também sequências marinhas de baixa profundidade. Aqui distinguiu-se entre o Owen Conglomerate superior e o Owen Conglomerate médio. No afloramento está presente o Owen Conglomerate superior, o qual apresenta clastos de chert e alguma estratificação, bem como algumas camadas ricas em ferro. Esta unidade está interpretada como pertencente a um ambiente marinho, de baixa profundidadem associado a um leque aluvial ("shallow marine alluvial fan environment").
A terceira paragem do dia aconteceu na Howards Road, onde se observaram rochas riolíticas do Tyndall Group. O Tyndall Group consiste maioritariamente em fácies vulcaniclásticas, mas rochas riolíticas coerentes ocorrem localmente neste região. Estas rochas apresentam uma textura porfírica e contêm fenocristais de quartzo e feldspato euédricos. Ocorrem também algumas texturas de desvitrificação, tal como esferulites.
A paragem seguinte foi, de novo, na Anthony Road, onde vimos rochas andesíticas. O Anthony Road Andesite" apresenta uma área de cerca de 14 km2 (7 km N-S e 2 km E-W). A espessura máxima atinge os 1100 metros. Este andesito sobrepõem-se à Yolande River Sequence e é sobreposto pelo Tyndall Group. Neste afloramento, o Anthony Road Andesite compreende rochas coerentes e clásticas. As fácies coerentes apresentam uma textura porfirítica e as fácies clásticas consistem em brechas andesíticas monomícticas. Os clastos apresentam margens curvi-planares e alguns grupos de clastos revelam uma textura "jigsaw-fit". Estes clastos estão separados por pequenas quantidades de um arenito vulcânico. A composição uniforme e os contactos gradacionais sugerem que a brecha monomíctica seja uma variedade de brecha autoclástica relacionada com as fácies coerentes. As formas dos clastos e a textura "jigsaw-fit", bem como todo o contexto do afloramento sugerem que a brecha tenha sido gerada por fragmentação vítrica de uma lava andesítica, sendo por isso uma variedade de hialoclastito.
A 5ª paragem do dia mostrou a Yolande River Sequence. Neste afloramento de cerce de 8 metros de espessura real ocorrem brechas e arenitos vulcânicos com fortes inclinações. O contacto inferior não está exposto, mas os 2-3 metros inferiores visíveis expõem uma brecha vulcânica na qual existem clastos argilíticos negros de grandes dimensões. Pequenos clastos vulcânicos félsicos e cristais de quartzo e feldspato estão também presentes. Acima ocorre um intervalo com arenitos finos e argilitos laminados. Esta sequência vulcaniclástca apresenta gradação normal. A organização interna e as estruturas presentes são consistentes com sedimentação de grandes volumes de material provinientes de uma escoamento gravítico com alta concentração de partículas (corrente turbidítica). Os clastos de argilito são intraclastos arrancados do substrato pela corrente gravítica. A abundância de cristais, alguns clastos de pedra-pomes e outos componentes sugerem que esta unidade seja, de facto, um registo submarino de uma erupção vulcânica explosiva envolvendo magma rico em sílica.
O último afloramento que vi foi ainda na Anthony Road e correspondeu a um dacito maciço com uma textura típica de um conjunto de intrusões félsicas da Yolande River Sequence. A característica mais especial deste afloramento é o facto de ocorrerem disjunções prismáticas, que se revelam impriscindíveis para demostrar o carácter coerente desta unidade, bem como para inferir a orientação geral desta unidade (90º com as superfícies isotermais de arrefecimeto do corpo intrusivo).
Depois desta paragem seguimos para Queenstown onde parámos para almoçar... O estômago escheu rapidamente com sandes e fruta. Depois deste almoço relativamente rápido despedi-me do Andrew, da Karin e do resto do pessoal... Eles seguiriam para Mount Lyell, para a sessão da tarde, mas eu tinha outro percurso a fazer... Estava na altura de voltar para Hobart e para casa para arrumar a mala para a grande viagem ao continente asiático...
A viagem correu bem e passou depressa... Cheguei a casa ao final da tarde e já não fiz muito... Foi mesmo só jantar e descansar... Aproveitei para falar com a Inês no skype,, organizei algumas coisas, vi um filme e fui dormir...

2 comentários:

  1. Olá Pedro, tudo bem? Eu me chamo Camila e sou brasileira. No mês que vem vou à turismo à Nova Zelândia e Austrália. Estava procurando informações sobre a Tasmânia no google e acabei achando o seu blog! Você pode me ajudar com algumas dicas do que visitar?
    Eu só ficarei dois dias inteiros, sendo que o vôo chega em Hobart dia 28 de noite e parte de Hobart dia 30 às 22:15hs.
    Obrigada!!
    Camila

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  2. Olá, esqueci de deixar meu e-mail para contato:
    cacabio@gmail.com

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